Hilda Morana

HILDA

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USO DE GABAPENTINA NOS TRANSTORNOS DA PERSONALIDADE DO GRUPO B DSM IV

Autores: Hilda C. P. Morana
Médica especialista em psiquiatria forense e psiquiatria (ABP),
Doutoranda do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas e da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo,


Maria Laura Ramalho Olivi
Residente do 2º ano de Psiquiatria do SUS-SP

Claudiane Salles Daltio
Residente do 3º ano de Psiquiatria do Ipq-HC FMUSP

Resumo
O tratamento de pacientes com transtornos da personalidade (TP) inclui o manejo de comportamentos inadequados e , freqüentemente, é refratário. Em um estudo observacional, 29 pacientes diagnosticados no grupo B dos Transtornos de Personalidade (DSM-IV) foram tratados com gabapentina (dose máxima de 1200 mg) e orientação psicoagógica. Foi observado que 79,3% deles (23 pacientes) apresentaram uma redução no abuso de drogas e no comportamento impulsivo, agressivo, instável e contraventor após 6 semanas de tratamento. A gabapentina, primariamente usada como droga anti-convulsivante, pode estar relacionada a redução da excitabilidade cerebral, comumente vista nestes pacientes. O resultado positivo mostra a necessidade de um estudo controlado e longitudinal, com casuística mais ampla, incluindo a aplicação de outros instrumentos de avaliação tais como o PCL-R, SCL-90-R General Severity Index, Global Assessement Scale , com o intuito de verificar os resultados obtidos e discutir o papel da técnica psicoagógica utilizada.

Abstract: Use of Gabapentin in Cluster B Personality Disorders (DSM-IV). The treatment of patients with Personality Disorders (P.D.) handles inappropriate behavior and it is usually refractory. In an observation study, 29 patients diagnosed in cluster B Personality Disorders (DSM-IV) were treated with gabapentin (1200 mg maximum dose) and psychoagogic orientation. It was observed that 79,3% (23 patients) showed a decrease of drug abuse and impulsive, aggressive, unstable and transgressor behavior after 6 weeks of treatment. Gabapentin, primarily used as an anticonvulsant drug, might be related to the reduction of brain excitability, commonly seen in those patients. The positive result shows the necessity of a controlled and longitudinal study with a larger casuistic, including the use of other evaluation instruments such as PCL-R, SCL-90-R General Severity Index,Global Assessment Scale and Social Adjustment Scale in order to verify the results and discuss the role of the psychoagogic technique used here.

Key words: Personality Disorders; Transgressor behavior; Gabapentin; Impulsive Behavior; Anticonvulsant Drug.




INTRODUÇÃO
Muitos profissionais ainda são cépticos quanto ao tratamento dos TP, considerando que o tratamento é longo e os resultados insatisfatórios (CAWTHRA,1998), destacando-se a refratariedade, tanto na reabilitação psico-social quanto do comportamento infrator desses indivíduos.
O ambulatório especializado em TEP. no Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo teve início no ano de 2000 com o objetivo de tentar intervir precocemente sobre sujeitos com tendência a comportamento infrator. Tais pacientes diagnosticados como TEP vinham encaminhados de outros ambulatórios e mesmo de fora do Instituto, sendo adultos com idade mínima de 18 anos .
No período de junho de 2002 a junho de 2003 foram realizados 1010 atendimentos em sujeitos portadores de transtorno de personalidade nos ambulatórios do Instituto de Psiquiatria, contabilizando 137 pacientes. Deste total de pacientes, 40 [29,19%] foram atendidos no ambulatório especializado em TEP.
A maioria dos pacientes referia estar em tratamento psiquiátrico, psicológico e assistencial há vários anos. Observou-se que muitos deles tinham uma longa história de atendimentos e internações psiquiátricas, sem melhora do comportamento além de representarem pesado ônus à família e à sociedade.
Os responsáveis quase sempre externam grande angústia frente a refratariedade terapêutica dos sintomas relativos ao comportamento inadequado do paciente. Um aspecto observado é que freqüentemente os responsáveis sentem-se culpados pela inadaptablidade social e inadequação de seu comportamento, imaginando terem errado na forma como conduziram a educação destes sujeitos. As principais queixas referem-se a agressividade, hostilidade, impulsividade, imediatismo, irresponsabilidade, sugestionabilidade, falta de prospecção, instabilidade afetiva e laborativa, tendência a mentir com freqüência, uso de drogas, porém sem dependência, teimosia , comportamento voluntarioso e insensibilidade ao outro. Alguns já haviam praticado crimes contra pessoas, como tentativa de homicídio, roubo, estupro e lesão corporal, nem sempre com conseqüências legais por não terem sido delatados.
A refratariedade terapêutica dos T.P. não pode ser deduzida do rótulo diagnóstico em si, mas da avaliação do conjunto dos fatores da personalidade e do funcionamento global do indivíduo. A identificação de aspectos psicopatológicos relacionados com a excitabilidade, o padrão do humor, a labilidade emocional, a tolerância às frustrações são importantes na questão do tratamento, podendo ser acessíveis à abordagem medicamentosa, psicoterapêutica e à reabilitação psicossocial. O grau de sensibilidade e o adequado desenvolvimento dos sentimentos sociais, como capacidade de considerar o outro e a consciência ética de seus atos, são fatores decisivos para tal.
Vários estudos em neuropsicofarmacologia sugerem um substrato biológico para os TP que podem ser amenizados por intervenção psicofarmacológica (BLOOM, 2003), apesar desses sujeitos terem difícil aderência ao tratamento, usando irregularmente os psicotrópicos prescritos ou mesmo abusando deles. (THE HARVARD MEDICAL SCHOOL, 1987).
A opção pela gabapentina neste estudo se fez mediante a hipótese de que por ter efeito inibitório na neurotransmissão cerebral, este recurso poderia beneficiar sujeitos portadores de TEP, pois estes apresentam grande tendência a hiper-excitabilidade psíquica. Esta hiperexcitabilidade é distinta da labilidade emocional encontrada nos transtornos do humor.
A gabapentina, (ácido 1-aminometil-ciclohexanoacético) é um análogo estrutural do ácido gama -amino-butírico (GABA), um neurotransmissor inibidotório do SNC, que não exerce ação gabamimética direta. Não interage com receptores GABAérgicos, não é biotransformado em GABA ou em seu agonista e não inibe sua captação ou degradação. Entretanto, Herranz (2003) concluiu que o fármaco tem comprovadamente uma ação gabaérgica , que inibe as correntes de Ca2+ associados ao sistema L e atua sobre os canais de Na voltagem-dependentes. Além de reduzir a excreção de serotonina, dopamina e noradrenalina e produzir ligeira inibição do glutamato. Apresenta ligação protéica inferior a 5%, meia-vida entre 5 a 9 horas, não é indutora do sistema enzimático hepático e tem eliminação predominantemente renal. Tem como indicações bem estabelecidas: crises convulsivas parciais refratárias e convulsões tônico-clônicas com generalização secundária. Como indicações pouco estabelecidas: Transtorno Bipolar do Humor, Mania aguda severa (tratamento combinado), estados maníacos moderados (monoterapia), ansiedade (fobia social e pânico) , transtornos dolorosos e espasticidade, e T. Esquizoafetivo (Cordioli, 2003; Kaplan,1997). Não foram encontrados estudos que associassem o uso de gabapentina aos TEP.

OBJETIVO
Avaliar a melhora do comportamento infrator e de inadequação social de sujeitos portadores de TEP (do grupo B DSM IV) através do uso da gabapentina.

MÉTODO
TÉCNICA DE ATENDIMENTO
O atendimento consistiu em reunir suficientes elementos da história de vida e do modo como se estabelecem as relações interpessoais, nas diversas etapas e aspectos da vida de relação, para a caracterização diagnóstica dos diferentes tipos de TP, segundo o DSM-IV.[1995]. Uma vez firmado o diagnóstico, e em alguns casos, utilizando-se de instrumentos de avaliação da personalidade (Prova de Rorschach e PCL-R) (1985;1991) foi iniciada intervenção psicoagógica e medicamentosa.
TERAPEUTICA PSICOAGÓGICA
A necessidade de psicoterapia em sujeitos portadores de TEP tem sido largamente preceituada,. principalmente a terapia de orientação cognitiva (a mais difundida entre os T.P.), assim como o acompanhamento psicoagógico.
Quinsey & Lalumière (1995) notaram que as sessões de psicoterapia com orientação para o insight são ineficazes pois não contam com a vontade de mudança por parte do indivíduo e acabam por desenvolver aptidões nos psicopatas para a manipulação psicológica, aumentando o índice de recidivas de atos violentos, em duas vezes, para os psicopatas, quando comparados aos não-psicopatas.
A terapêutica psicoagógica utilizada neste estudo, consistiu em esclarecer para o paciente e seus familiares a real condição da personalidade, em sua característica permanente. Verificou-se que tanto os pacientes, quanto os familiares, apesar da longa jornada por atendimentos médicos frustros, ainda mantinham esperança de encontrarem uma solução eficaz para o comportamento alterado. Imaginavam que sua desadaptabilidade social fosse acessível a um medicamento específico que não teria sido tentado ainda, ou seja, mantinham a perspectiva de portarem doença curável, em sentido estrito.

Após esclarecimentos, pacientes e responsáveis passam a entrar em contato com o fato de portarem defeito permanente da personalidade. Embora a quase maioria dos pacientes atendidos admitissem saber serem sujeitos de mau caráter, no sentido leigo da expressão, e não expressassem surpresa frente a esta constatação. A técnica psicoagógica consiste, entre outros aspectos, da orientação quanto às conseqüências e às implicações de seus atos para a vida futura.

TRATAMENTO MEDICAMENTOSO
Desde junho de 2002 iniciou-se o uso de gabapentina em doses crescentes, não ultrapassando 1200mg ao dia, fracionadas em duas ou três tomadas, por no mínimo 6 semanas, sendo reavaliados após este período.
Dos 40 pacientes, 29 (72,5%) foram tratados com gabapentina, isoladamente ou em concomitância com outras drogas, (neurolépticos, estabilizadores do humor e benzodiazepínicos) sendo que a opção pela gabapentina deu-se nos pacientes com maior excitabilidade psíquica, notadamente diagnosticados nos TEP do grupo B (DSM-IV). A casuística final resultou em: 8 pacientes com diagnóstico de TEP do tipo anti-social; 13 pacientes com diagnóstico de TEP do tipo impulsivo; 7 pacientes com TEP do tipo histriônica e 1 paciente com TEP do tipo narcisista

RESULTADOS
Em 23 (79,3%) pacientes tratados com gabapentina constatou-se ,através de relatos dos próprios pacientes e de seus responsáveis, melhora do comportamento inadequado. (TABELA 1) Observou-se diminuição da agressividade e impulsividade, inclusive com diminuição da prática de comportamento infrator e abuso de drogas. Também se observou melhora da tolerabilidade, capacidade de concentração e prospecção, com maior interesse por atividades produtivas.


DISCUSSÃO.
Com o uso de outros medicamentos, (neurolépticos, estabilizadores do humor, antidepressivos) e não associados a gabapentina, os pacientes apresentavam melhora do comportamento após a intervenção psicoagógica e medicamentosa apenas depois de uma média de três meses, não permitindo identificar se a condição da melhora era devida ao processo psicoagógico, ou devido aos medicamentos usados. Após iniciarmos o uso da gabapentiona foi verificada a pronta melhora de alguns dos sintomas de inadequação social, relatados por familiares, sem que houvesse tempo para esta melhora fosse devida ao processo psicoagógico.
São necessários, tanto estudos que demonstrem seu mecanismo de ação preciso, quanto evidências científicas de seus resultados terapêuticos no transtorno de personalidade..
Com base na melhora clínica empiricamente observada com o uso de gabapentina pelos pacientes com diagnóstico de TEP do ambulatório especializado do IPq-USP-SP teve início, e está em andamento, um estudo utilizando-se instrumentos de avaliação, dentre os quais SCL-90-R General Severity Index, Global Assessment Scale e Social Adjustment Scale, Escala Psychopatic Check-list Revised (PCL-R) que pretende medir objetivamente este achado e discutir qual o papel da técnica psicoagógica utilizada.



CONCLUSÃO
Apesar de dados preliminares e da dificuldade em medir com acuidade o resultado da intervenção terapêutica pôde-se inferir um resultado positivo, no controle do comportamento contraventor, após o tratamento com gabapentina.


BIBLIOGRAFIA
1. CAWTHRA, R.; GIBB, R. Severe personality disorder- whose responsability? Br. J. Psychiatry, v. 173, p. 8-10, 1998.

2. BLOOM, F.E.; DAVID, M.D.; KUPFER, J. Psychopharmacology: the fourth generation of progress. Am. Coll. Neuropsychopharmacol., v.30, p. 2002. Disponível em: http://www.acnp.org/g4/GN401000152/Default.htm. Acesso em maio, 2003.

3.THE HARVARD MEDICAL SCHOOL MENTAL HEALTH LETTER, Personality and Personality Disorders. September (Part I), October (Part II), 1987.


4. HERRANZ, J. L. Gabapentin: its mechanisms of action in the year 2003. 2003; (12); 1159-1165.

5. CORDIOLI, A. V. e cols. Psicofármacos. 2° Edição. Artmed. 2003.
6. KAPLAN,H.I.; SADOCK B.J.; GREBB J.A. Compêndio de psiquiatria: ciências do comportamento e psiquiatria clínica. 7a ed. Porto Alegre,
Artes Medicas,1997.

7. D.S.M.-IV MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS. 4a. edição. Artes Médicas. 1995.

8. SILVEIRA, A. Prova de Rorschach: elaboração do psicograma. São Paulo, Edbras,1985.

9. HARE,R.D. Manual for the Hare Psychopathy Checklist-Revised. Toronto, Multi-Health System, 1991.

10. QUINSEY ,V.L.; LALUMIÈRE, M. L. Psychopaty is a nonarbitrary class. Behav. Brain Sci, v.18, p.571,1995.



Tabela 1 - Caracterização dos pacientes tratados com gabapentina (n=29).
Responsivos Não responsivos
Sexo Masculino 15 (51,7%) 1 (3,5%)
Feminino 8 (27,6%) 5 (17,2%)
Idade (MédiaDP) 33,014,8 32,29,9
Total 23 (79,3%) 6 (20,7%)





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